Em 2011, recebi um e-mail de um cidadão identificado como Alex Garcia, pessoa surdo-cega que pedia providências para acessibilidade de pessoas com deficiência nas vias públicas de São Luiz Gonzaga. Atendê-lo foi algo surpreendente e inesquecível, dada sua tenacidade e conhecimento.
Agora fui novamente contatada por ele e pude ver sua situação após agravamento da doença, que é rara e progressiva: perdera quase completamente a visão, vendo apenas algumas sombras com o olho direito. Diante de mim, uma pessoa tão capaz e, ao mesmo tempo, hipervulnerável.
Fui à busca da legislação infraconstitucional que pudesse amparar Alex e seus iguais. Mas não há qualquer previsão para que os surdos-cegos tenham um guia-intérprete. Não há sequer um programa ou projeto oficiais para que familiares de surdos-cegos sejam treinados para tão fundamental ajuda.
Eles podem se comunicar através de diversos modelos. Em geral, precisam de proximidade e toque. Aprendi um pouco, para comunicação com Alex. Ele usa a “escrita na mão”. Nós escrevemos as letras de fôrma na palma da mão dele, usando nosso dedo indicador como uma caneta.
Alex é um surdo-cego pós- simbólico (deficiência adquirida após apreensão da linguagem), primeiro a ser graduado no Brasil e participante, em 2013, da Convenção da ONU, em Nova York, escritor e colunista, palestrante em mais de 30 países. No entanto, não há números oficiais confiáveis sobre quantos são os surdos-cegos brasileiros. Mas, em pior situação do que Alex, estão os surdos-cegos pré-simbólicos, ou seja, os que nascem com essa deficiência e, tantas vezes, estão escondidos pelas famílias, em razão da ignorância.
Por isso, ajuizamos ação civil pública contra o Estado e o município, baseada no direito constitucional à dignidade da pessoa, para disponibilização de guia-intérprete ao atendido, por seis horas diárias. A liminar ainda não foi apreciada pela Justiça, que aguarda a palavra dos demandados, e não se acredita, ingenuamente, que essa ação seja uma solução para o problema. É apenas um brado – que Alex não pode ouvir, ou uma luz – que Alex não pode ver, para que os surdos- cegos, invisíveis, sejam percebidos pelos saudáveis autores das políticas públicas.
DINAMÁRCIA M. DE OLIVEIRA
Promotora de Justiça
Fonte: Jornal Zero Hora, 04 de dezembro de 2014 | N° 18003. Pág. 33.