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Alex Garcia fala da viagem aos EUA, do Prêmio Sentidos e do título de Cidadão São-Luizense
 

Nascido em 1976, em Santa Rosa, com uma rara síndrome cujas características incluem a surdocegueira progressiva, além de outras anormalidades, Alex Garcia estudou em escola de ensino regular, já enfrentando grandes dificuldades, mas com apoio familiar conseguiu chegar até a universidade. Ele é pós-graduado em Educação Especial, pela UFSM. No ano passado tornou-se o primeiro surdocego do Brasil a escrever um livro. Foi o primeiro surdocego brasileiro que cursou uma universidade e o pioneiro no Brasil ao desenvolver a primeira pesquisa em campo para localização de surdocegos, que abrangeu o Rio Grande do Sul e teve como principais apoiadores a Federação Sueca de Surdocegos. É considerado o “pai” da Surdocegueira no Estado e deu origem e coordenou o Núcleo de Surdocegueira da FADERS - Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para PPDs e PPAHS do Governo do Estado.

Desde 2004, de forma voluntária, pela primeira vez no Brasil, Alex Garcia estruturou trabalho de atendimento domiciliar com famílias de surdocegos, para informações e orientações educacionais, encaminhamentos médicos e sociais.

Alex Garcia possui cursos de capacitação na Área de Surdocegueira e diversas participações em congressos nacionais e internacionais como palestrante. Colaborou através de orientações para com diversos países e suas organizações de surdocegos, sendo assim, sou uma das lideranças mais reconhecidas na surdocegueira mundial. Integra a Federação Mundial de Surdocegos e é ativista da inclusão, além de fundador da Associação Gaúcha de Pais e Amigos dos Surdocegos e Multideficientes (AGAPASM). E é líder internacional na Área do Emprego para Pessoas com Deficiência formado pela Mobility International USA (MIUSA), de Eugene, Oregon, nos Estados Unidos. A Câmara de Vereadores de São Luiz Gonzaga vai entregar-lhe o título de Cidadão São-Luizense. A seguir, a entrevista concedida ao editor Newton Alvim.

A NOTICIA - Como presidente da Associação Gaúcha de Pais e Amigos dos Surdocegos e Multideficientes (AGAPASM), você vem participando de muitos eventos na área, inclusive no exterior. Como foi a recente viagem de 20 dias a Eugene, nos EUA? 
ALEX - Em Eugene, nos EUA, aconteceu o Programa Profissional sobre Liderança Internacional, Emprego, e Deficiência (I-LEAD). Contava com delegados de vários países da América Latina. Foi um intercãmbio voltado à empregabilidade de PcDs, estruturado sob a forma de visitas a centros e organizações na área do trabalho e também na área da empregabilidade entendida como os meios para se promover o emprego - educação, transporte, legislação, acessibilidade  e políticas públicas. Foram 20 dias de muita observação, reflexão e troca de experiências. Tivemos a oportunidade de intercambiar informações com representantes de diversas organizações de apoio, também universidades, que relatavam a trajetória de sucesso frente a problemática do emprego, educação e inclusão  de PcDs. Também rica foi a troca de experiências entre os delegados que estavam presentes. Delegados do Brasil, Costa Rica, El Salvador, Guatemala e México, todos ativistas da inclusão em seus países. Vale destacar a presença marcante das autoridades, como a prefeita de Eugene, Kitty Piercy, que num passado não muito distante, era educadora de crianças no ensino fundamental, conhecedora das necessidades de sua gente. Tornou-se a prefeita mais celebrada da história por apostar numa Eugene acessível. De educadora à prefeita da cidade mais acessível da terra. Também cito Jack Watson, presidente do Rotary de Eugene, lembrando que os rotarianos são grandes colaboradores dos programas da MIUSA.

AN - O que viu de interessante no cotidiano dos americanos?
ALEX - A cotidiano democrático em que vivem. Pude sentir de verdade a democracia em ação. Também marcante a constante eliminação de desigualdades, a educação e o respeito da população com o que é de todos. Consta que Eugene é a cidade de maior acessibilidade dos EUA. É a cidade mais acessível da Terra. Chegaram a isso pensando de forma inteligente. Com acessibilidade, foram eliminadas as possibilidades de distúrbios na população. A acessibilidade trouxe a igualdade entre as pessoas e, assim, o respeito. A Eugene acessível recebe milhões de turistas que fazem mover sua economia. Eugene acessível exporta para o mundo todo as suas características. A Eugene acessível tem aproximadamente 100 mil habitantes.

AN - Em relação a esses avanços em Eugene, o que se pode aplicar aqui?
ALEX - Com vontade, inteligência política e investimento, é possível construir uma São Luiz nestes moldes. Investir em acessibilidade seria frear o avanço da delinquência juvenil, que está crescendo, e também frear a evasão de nossos jovens, pois a acessibilidade traria novas possibilidades. Seria trazer igualdade entre as pessoas. Acessibilidade tem vários efeitos. Acessibilidade na verdade não é apenas para pessoas com deficiência. Ela serve a todas as pessoas. Todo o investimento seria retornado em dobro em poucos anos, sob vários aspectos, como acontece em Eugene. Uma estrutura acessível provocaria uma reação em cadeia na sociedade são-luizense para melhor.

AN - Você vem quebrando paradigmas, principalmente neste mês, em que ganhou o Prêmio Sentidos, em São Paulo. Fale da emoção de conquistar essa vitória em nível nacional.
ALEX - Vencer o 2º Prêmio Sentidos é algo maravilhoso porque estavam concorrendo pessoas com deficiência de todo o Brasil, cada um com suas histórias de trabalho e superação. Receber o 1º lugar na categoria “Gente como a Gente” é ter o trabalho e minha vida até agora reconhecidos. Poucas vezes recebi reconhecimento deste nível e é sempre bom saber que o que você pensa, como age. Seus valores e ideais são lembrados e, portanto, algo de colaborativo e verdadeiro possuem. O 2º Prêmio Sentidos, assim como a primeira edição, foi um grande sucesso. O Prêmio Sentidos é uma afirmação positiva de algo que nasceu para resgatar a “a identidade esquecida” de muitas pessoas com deficiência. Enquanto nossa cultura continua a “esquecer” seus heróis e, assim, não valorizar sua história, o Prêmio Sentidos e seus idealizadores do Site e Revista Sentidos, AVAPE, TV RECORD, e outros tantos, dão o exemplo. Parabéns a vocês por manterem este Prêmio vivo e que a cada ano torna público exemplos de superação a serem seguidos.

AN - Nascido em Santa Rosa, você ainda vai receber o título de Cidadão São-luizense, da Câmara Municipal de Vereadores. Certamente, será o mais jovem laureado, aos 32 anos. O que significa esse título para você?
ALEX - Receber o título de Cidadão São-luizense será coroar de vez minhas posições, pensamentos e ações. Ser o mais jovem terá um significado especial pois quebrará um paradigma histórico e, a partir de então, poderá ser exemplo para que outros cidadãos e cidadãs de nossa terra acreditem que o trabalho de fato e real é sinônimo de vitória. O título de Cidadão São-luizense, com esta quebra de paradigma, será, com certeza, conhecido e aplaudido em nosso Estado, país e mundo. Nossa terra guarani dará mais um exemplo para a humanidade. “Esta terra tem dono”, ela é habitada por homens e mulheres com suas diferenças, mas todos nascem do desejo da continuidade, da necessidade do movimento, do desejo da verdade e felicidade alicerçadas na justiça do homem livre. Homens e mulheres, filhos e filhas de Sepé, que negam o estático. Negam o interesse que fabrica carimbos. Negam a Intolerância que desenha fronteiras. Negam-se a subtrair a liberdade e autonomia do homem.

AN - Quais seus planos a partir de agora? Há outros eventos de queparticipará?
ALEX - Logo em seguida, pretendo organizar um projeto nacional para Empregabilidade de Pessoas Surdocegas e Multideficientes. Pretendo apresentar este as autoridades presentes em seminário sobre o tema, que se realizará em Porto Alegre, dia 28 deste mês. Pretendo em breve poder tornar público este projeto. E no dia 8 de maio estará tramitando a possibilidade de estar colaborando em um seminário na cidade de Araxá, em Minas Gerais. Também está marcado para junho, em Cuiabá, em Mato Grosso, um curso de pós-graduação, onde mostrarei um módulo de 40 horas. Este será marcante, pois será a primeira vez no Brasil e na América Latina que uma Pessoa Surdocega ministrará um curso de forma totalmente soberana.

AN - Você é uma pessoa surpreendente pela conquistas que vem alcançando. O que moldou o seu caráter e de onde vem tanta força de superação?
ALEX - Caráter e superação são matérias inseparáveis. Não seria o que moldou e sim quem moldou meu caráter. Exatamente meu pai e minha mãe. Estas duas pessoas que sempre me orientaram a ter minha identidade. Ensinaram-me a ser honesto, a manter minhas posições, se estas vêm de meu coração, e não abandoná-las apenas porque os outros querem. Ensinaram-me a não trocar favores e a buscar meus sonhos com a força de minhas palavras e com minha inteligência, esta construída pela dedicação e em muitos anos de estudo. Eles me ensinaram a nunca desistir, apesar de que muitas vezes nada está dando certo e que eu não sou “deste mundo”. Ensinaram-me, acima de tudo, a valorizar meu “ser diferente”.

AN - Com a sua valiosa experiência na área, o que você diria para os pais de deficientes como orientação de vida?
ALEX - Não cerquem seus filhos e filhas de medo da vida. Mostrem a eles a realidade cotidiana, que na Terra existem o bem e o mal. Colaborem para que sustentem sua identidade. Não digam a seus filhos e filhas para que mudem de comportamento apenas porque algumas pessoas querem isso. Devem permitir que seus filhos e filhas tenham contato e, assim, experiências e, então, dar tranquilidade a eles, para que, com autonomia, decidam o caminho a seguir, aceitando o que é bom e renegando o que não satisfaz.

Fonte: Jornal A Notícia
29 de abril de 2009

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